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Brasil reconhece violação de direitos humanos em caso inédito de discriminação racial perante a Corte Interamericana

Sociedade Brasileira de Direito Antidiscriminatório se habilita como amicus curiae

Pela primeira vez na história, o Brasil admitiu perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos que violou os direitos humanos de duas mulheres negras que foram vítimas de discriminação racial ao se candidatarem a uma vaga de emprego em 1998. Essa decisão inédita abre um precedente para o reconhecimento e o combate ao racismo estrutural no país, sendo a primeira vez que o Estado brasileiro faz um reconhecimento formal do tipo em um caso envolvendo discriminação racial. 

O caso foi levado à Corte Interamericana em 2017, após uma longa trajetória de impunidade e morosidade no sistema judicial brasileiro. A manifestação é fundamentada em dois dispositivos (8.1 e 25.1) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), tratado do qual o Brasil é signatário, que tratam do direito à razoável duração do processo e do direito de acesso à Justiça. 

As vítimas Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira relataram que, ao chegarem para a entrevista, foram informadas de que a vaga já estava ocupada. Porém, logo depois, uma mulher branca foi contratada para o mesmo cargo. A situação evidenciou uma prática discriminatória por parte do empregador.

Foto: Gisele Ana Ferreira, em depoimento na Corte IDH / Crédito: Divulgação/Corte IDH.

Apesar de ter sido condenado em primeira instância em 1999, o réu recorreu da sentença e só foi julgado novamente em 2004, quando foi confirmada a sua culpa. No entanto, a pena foi extinta por prescrição, contrariando a tese do Ministério Público de que o crime de racismo é imprescritível. Além disso, mesmo com um mandado de prisão expedido, o réu cumpriu a pena em regime aberto e ainda tem recursos pendentes de análise.

Amicus curiae

Diante desse cenário de injustiça e violação dos direitos das vítimas, a Corte Interamericana aceitou o caso e contou com a participação de diversas entidades como amicus curiae, ou seja, amigos da corte. Essas entidades têm interesse institucional na causa e podem colaborar com informações relevantes e especializadas para auxiliar o juiz na decisão.

O amicus curiae é uma forma de intervenção de terceiros prevista no artigo 138 do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) e tem como objetivo democratizar e pluralizar o debate sobre temas de repercussão social, proporcionando ao julgador uma visão mais ampla e qualificada da matéria em discussão.

Nesse sentido, o reconhecimento do Brasil de que violou os direitos humanos das vítimas nesse caso é um passo importante para a justiça e a garantia dos direitos humanos no país. Além disso, é uma oportunidade para que o Estado brasileiro adote medidas efetivas para combater o racismo e promover a igualdade em todos os âmbitos da sociedade.

Pedido de desculpas

Durante a audiência, Ana Míria Carinhanha, diretora de Ações Governamentais da Secretaria-Executiva do Ministério da Igualdade Racial, leu um trecho do documento no qual o Estado brasileiro admitiu, além das alegações orais, a violação dos direitos de Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira. 

O Estado também expressou formalmente suas desculpas às vítimas, reconhecendo que é “lamentável e inadmissível que qualquer pessoa, independentemente de sua origem étnica, raça ou cor, seja impedida de seguir seus sonhos, de escolher uma profissão ou de experimentar plenamente sua própria existência”.

Próximos passos

Após o encerramento das audiências, as partes envolvidas possuem o prazo de um mês para apresentar suas alegações finais por escrito, o que foi feito pela Sociedade Brasileira de Direito Antidiscriminatório (SBDA). Após as submissões, a Corte está apta a proferir sua sentença a qualquer momento.

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